sábado, 28 de julho de 2012

E era meio bruxo

E era meio bruxo: fazia horóscopos, interpretava tarôs, tinha pais de santo e orixás, dava conselhos, lia o que escrevíamos, distribuía elogios, ou nem tanto, nos mostrava seus contos, pedia opinião, apontava caminhos. E escrevia sem parar. Acreditava que todo mundo tinha uma estrela, todo mundo devia escrever. Não existia um só fio de egoísmo em Caio quando se tratava da escrita: a literatura era sua religião e ele queria converter todos à sua fé.

domingo, 22 de julho de 2012

Primavera


Que a primavera venha leve, suave e calorosa, enchendo de cor o dia-dia e iluminando os corações gelados.

Caio Fernando Abreu

sábado, 21 de julho de 2012

Depois os dois se abraçaram


Depois os dois se abraçaram e se deram beijos nas duas faces e como duas pessoas que não se vêem há muito tempo atropelaram perguntas como: por onde é que tu anda, criatura, ou exclamações como: mas tu não mudou nada, ou reticências tão demoradas que as filas chegavam a deter-se um pouco, as pessoas reclamando e uma hesitação entre mergulhar nas gentes entre um beijo e um me telefona qualquer dia e ficar ali e convidar para qualquer coisa, mas um medo que doesse remexer naquilo, e tão mais fácil simplesmente escapar que chegou a dar dois passos. Ou três. 

Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Se um dia voltar para casa



"Se um dia voltar para casa com o coração aquecido e com um amor desses que valham à pena, ai sim recomendarei festas."

Caio F.

Talvez, afinal

 
"Talvez, afinal, eu devesse começar a acreditar em milagres. Em rezas, em sonhos, em delírios."

Caio F.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A você, eu amo


Eu  conheci  razoavelmente  bem  Clarice  Lispector.  Ela  era  infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de  tudo.  Te  falo  nela  porque  Clarice,  pra  mim,  é  o  que  mais  conheço  de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de “meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos,na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artraud. Ou Rimbaud. É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci/conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você, eu amo. Raramente me engano.  

(Caio Fernando Abreu - Carta a José Márcio Penido)

E por isso que te escrevo

 
 
"E por isso que te escrevo, quase meio-dia, um sol raro lá fora. Guila, não me mande coisas assim raivosas. Eu não tenho anticorpos para esse tipo de coisa."
 
— Caio Fernando Abreu. Carta a Guilherme de Almeida Prado.

Admitiu o medo



Então, admitiu o medo. E admitindo o medo permitia-se uma grande liberdade: sim, podia fazer qualquer coisa, o próximo gesto teria o medo dentro dele e portanto seria um gesto inseguro, não precisava temer, pois antes de fazê-lo já se sabia temendo-o, já se sabia perdendo-se dentro dele — finalmente, podia partir para qualquer coisa, porque de qualquer maneira estaria perdido dentro dela.

(Caio Fernando Abreu. A gravata, in: O Ovo Apunhalado)

Recompôs-se



Recompôs-se, brusco. Não, melhor não falar nada. Admitia que não conseguisse controlar seus pensamentos, mas admitir que não conseguisse controlar também o que dizia lançava-o perigosamente próximo daquela zona que alguns haviam convencionado chamar loucura. E essa era a primeira vez que se descobria assim, tão perto dessas coisas incompreensíveis que sempre julgara acontecerem aos outros — àqueles outros distanciados, melancólicos e enigmáticos, que costumava chamar de os-sensíveis  — jamais a ele. Pois se sempre fora tão objetivo. Suportava apenas as superfícies onde o ar era plenamente respirável, e principalmente onde os sentidos todos sentiam apenas o que era corriqueiro e normal sentir. Subitamente pensava e sentia e dizia coisas que nunca tinham sido suas.  

(Caio Fernando Abreu. A gravata, in: O Ovo Apunhalado)

Vi Deus


De outra vez vi Deus, era um menino que me dizia para não perder a infância, que a infância era Deus.

Caio F. Abreu

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Na terra do coração


Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:
Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Caio F. Abreu

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Mas não é verdade



Mas não é verdade, Hilda, não é verdade que as pessoas se repitam. O que se repetem são as situações, inúmeras vezes — e você sabe que qualquer situação que nos acontece é por nossa culpa. Principalmente quando ela se repete muitas vezes. Tudo o que acontece à gente é uma mera conseqüência daquilo que se fez. 

(Caio Fernando Abreu, carta a Hilda Hilst)

A solução


A  solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem-vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente  destemperados,  certo?  Não  há  que  abster-se:  há  que  comer  desse banquete. 

(Caio Fernando Abreu, carta a José Márcio Penido)

Há algo




Há algo na sua essência que me agrada, me acalma, e me diverte!

Caio F. Abreu

domingo, 15 de julho de 2012

E não sei o que dizer, Zézinho


E não sei o que dizer, Zézinho, não tô bem. Isso é uma coisa que eu posso dizer, tendo certeza dela. Mas é também uma coisa pela qual você não pode fazer nada, e de pouco adianta eu dizer. Ô, Zé, ando tão desorientado, já faz tempo. E me escondo, e não procuro ninguém, e fico mastigando a minha desorientação.

Caio F. Abreu

Talvez


Talvez, afinal, eu devesse parar de bancar o durão e começasse a aprender a: receber cuidados.

Caio F. Abreu

Lama da vida



Amo tudo que afunda a cara na lama da vida crua e consegue arrancar o belo desse mergulho.

Caio F. Abreu
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